domingo, 24 de fevereiro de 2008

Como prometi no último post, aqui vai um texto que escrevi há algum tempo. Espero que gostem.


Se é assim que desejas, é assim que será, pensara a jovem, enquanto encarava o rapaz silenciosamente. No rosto impassível, os olhos inundados em raiva faziam-se notar. Se ele quer ir embora, me deixando aqui sozinha, ele que vá logo. De certa maneira, prefiro mesmo a solidão... O vento continuava soprando forte, enquanto Darla encolhia-se em suas vestes.

Em vão, ele tentara beijar seu rosto, mas ela o impedira de fazê-lo, afastando-se bruscamente. Por fim, ele quebrara o silencioso ar daquele começo de outono:
― Darla, o que posso eu fazer? Ficar e depois ser acusado de covarde?

A jovem continuara calada, mas seus olhos já mostravam a resposta. Custava ficar ao meu lado e esperar esta guerra acabar? Afinal, seu coração pertence a mim e eu deveria também pertencer aos seus pensamentos e planos. Contraiu levemente o rosto, numa tentativa de conter as lágrimas. Não queria mostrar sua fraqueza diante do único homem que fora capaz de amar.

Ele tentou encostá-la outra vez, mas deteve-se ao notar a posição da amada. Os braços cruzados, o olhar numa mistura de ódio e tristeza. Abaixou silenciosamente a cabeça, enquanto pegava no chão seus mantimentos.
Quando levantou a cabeça, viu que Darla continuava ali, esperando que ele mudasse de idéia. Os cabelos longos e sedosos, os olhos agora inexpressivos. Tudo que um dia amara e agora deveria largar.

Desde que conhecera Darla, temera que aquele dia chegasse. À princípio, ela era apenas mais uma donzela mas, aos poucos, fora adquirindo valor especial. De certo modo, diferenciava-se de todas as moças que o rapaz havia já conhecido.
Darla pertencia a uma família nobre, sendo seu pai o maior de todos os senhores daquelas terras. Mas Santiago não ligava para isso. O que realmente encantara-o nela foi a coragem com que encarava o mundo. Talvez por orgulho. Jamais mostrava seus sentimentos, diferente das outras mulheres. Era decidida e isto por vezes assustara-o.

E agora, mais uma vez, ela adquirira aquele jeito orgulhoso, meio infantil. E ele nada podia fazer para mudar os fatos. Aquela mesma donzela que um dia lhe mostrara tanto amor, agora parecia inquieta e ansiava por vê-lo partir. A verdade era que Darla não queria mostrar o quanto precisava dele, então deixou o orgulho falar mais alto:
― Se é assim que desejas, é assim que será.
Ela falara num tom forte e decidido, fazendo com que suas palavras adquirissem um ar que nunca antes ousara usar.
― Eu prometo que voltarei assim que puder...
― Se vais mesmo ir embora, que nunca mais voltes, pois não quero ser apenas sua nas horas que escolhes.

Ele agora sentira a frieza de suas palavras. Olhara para ela, que ainda ostentava um olhar firme em sua direção. O que acontecera com a menina bela de olhos azuis que conhecera anos atrás? Não era mais ela, mas mesmo assim, o descaso com que recebia sua partida doía profundamente em sua alma.
Ele fitara longamente o horizonte, numa tentativa de conter a dor, mas essa parecia crescer cada vez mais. A jovem continuava parada ao seu lado e não ousara dizer mais nada. Talvez não quisesse mais feri-lo com suas palavras ásperas, pois seu coração impedia-a de prosseguir.

O dia clareava aos poucos e ela continuava impassível, quieta e intocável. Santiago conseguira acalmar um pouco a dor que chegara a dominá-lo por inteiro, mas
não conseguira evitar a partida. Sorrira tristemente para Darla, para logo depois caminhar na direção de seu cavalo. Amarrou os mantimentos perto da cela. Montou-o.
Atravessou o gramado que estendia-se diante da casa e chegou, enfim, às porteiras. Ali parou, olhando para trás.
Lá estava ela, ainda fitando-o. O tom inexpressivo continuava no olhar e o cabelo esvoaçava com o vento frio. Era assim que a misteriosa amante observava a partida do bravo cavaleiro.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A menina que roubava livros


Primeiro, as cores.
Depois, os humanos.
Em geral, é assim que vejo as coisas.
Ou, pelo menos, é o que tento.


O começo do livro é intrigante. Tentar descobrir quem é o misterioso narrador desta história é um desafio e, de parágrafo em parágrafo, as descrições e as palavras vão se encaixando. Quem narra a história, afinal, é alguém que observa tudo. E que trabalha incessantemente. Mais tarde, num dos depoimentos, a narradora afirma:

“Provavelmente, é lícito dizer que, em todos os anos do império de Hitler, nenhuma pessoa pôde servir ao Führer com tanta lealdade quanto eu”. Bem, parei de dar dicas para não estragar a graça do livro.

Um pouco sobre a história agora. A menina que roubava livros, de Markus Kusak, conta a trajetória de uma menina na Alemanha de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Os livros que ela rouba são a sua válvula de escape para todos os desastres e perdas que acontecem ao seu redor. Depois, no auge do seu desespero, ela percebe que não sente mais alegria em roubar e culpa as palavras por tudo o que está acontecendo. São as palavras que aprisionavam, torturavam e manipulavam a população alemã. Como mesmo diz no livro, sem as palavras o Führer e o império Alemão não eram nada.

Mesmo assim, as palavras acabam se tornando grandes aliadas da menina. São elas que dão esperança às pessoas que lêem junto à menina no porão, durante os longos bombardeios. E, por fim, são elas que salvam a roubadora de livros.

A história narra o desespero das pessoas durante a segunda guerra mundial e das soluções encontradas para tentar sobreviver àquele episódio. Época de incertezas, que abrigar um judeu era sinal de perigo e que se manter vivo era um desafio. O livro te deixa pensando em como o ser humano é capaz de ser tão cruel e insano em busca de poder. A nota final da narradora deixa isso claro.
“Os humanos me assombram”

Um pouco sobre o autor. Markus Kusak se inspirou nas histórias que ouvia na sua infância, da cidade alemã onde sua mãe morou, na época da Segunda Guerra. Numa entrevista, ele fala que era preciso contar o outro lado da Alemanha Nazista, que a gente ainda não conhece.
"Nós temos essas imagens das marchas em fila de garotos e dos 'Heil Hitlers' e essa idéia de que todos na Alemanha estavam nisso juntos. Mas ainda havia crianças rebeldes e pessoas que não seguiam as regras e pessoas que esconderam judeus e outras pessoas em suas casas. Então eis outro lado da Alemanha Nazista"

Confesso: comprei esse livro porque faz tempo que está entre os mais vendidos. Sei que não é o procedimento indicado, já que nem todo best-seller merece o título de bom livro. Mas esse livro me surpreendeu, principalmente pelo modo como é escrito, utilizando frases curtas e de impacto. Agora posso dizer mesmo que estar na lista dos mais vendidos não é pura coincidência, que o livro é muito bom mesmo.

Com esta resenha, vou dando mais um intervalo ao blog. Daqui a alguns dias vou ir pra praia e espero voltar cheia de idéias e novos livros para indicar. Na outra semana posto alguma coisa que andei escrevendo nos últimos tempos, só para fazer alguma coisa diferente.